30 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Carlos Drummod de Andrade - José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?


E agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia,
e tudo acabou,
e tudo fugiu,
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.


José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
 


Clique para ouvir o poema ou a música.


29 novembro 2011

Boa noite!


Ðiana®

Casimiro de Abreu- Que é Simpatia

Simpatia – é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia – são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia – meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d’agosto
É o que m’inspira teu rosto…
- Simpatia – é quase amor!
Casimiro de Abreu

28 novembro 2011

Boa noite!

Ðiana®

Florbela Espanca - Saudades

Saudades! Sim... Talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

27 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Olavo Bilac - Primavera


Ah! Quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! Quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
 “Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrando de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia à primavera... E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!
Olavo Bilac

26 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) - Nem Sempre Sou Igual no que Digo e Escrevo

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos

Alberto Caeiro

E à minha clara simplicidade de alma ...

25 novembro 2011

Boa noite!

Ðiana®

Dalto - Muito Estranho (Cuida Bem de Mim)


Hum!
Mas se um dia eu chegar
Muito estranho
Deixa essa água no corpo
Lembrar nosso banho...

Hum!
Mas se um dia eu chegar
Muito louco
Deixa essa noite saber
Que um dia foi pouco...
Cuida bem de mim
Então misture tudo
Dentro de nós.
Porque ninguém vai dormir
Nosso sonho...

Hum!
Minha cara prá que
Tantos planos
Se quero te amar e te amar
E te amar muitos anos...

Hum!
Tantas vezes eu quis
Ficar solto
Como se fosse uma lua
A brincar no teu rosto
Cuida bem de mim
Então misture tudo
Dentro de nós.
Porque ninguém vai dormir
Nosso sonho... Hum!


Clique para ouvir a música.

http://www.musics-forever.com/nacional/nac-D_arquivos/Dalto/MuitoEstranho_MF.mid

24 novembro 2011

Boa noite!
 Ðiana®

Fernando Pessoa - Sabes quem sou? Eu não sei.

Sabes quem sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi,
Fui o vassalo e o rei.
É dupla a dor que me dói.
Duas dores eu passei.
Fui tudo que pode haver.
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr.

Fernando Pessoa (12-4-1934)

23 novembro 2011

Boa noite!

 Ðiana®

Carlos Drummond de Andrade - A palavra mágica

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?

É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

21 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Clarice Lispector

"Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser...
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhece; e a subjetiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos - Quem somos?
Não saberemos dizer ao certo!!!
Agora de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência  essência.
E você... O que pensa disso?
Que desafio, hein?”

"... Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la..."
(Perto do Coração Selvagem - p.55)

20 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Maria Teresa M. Carrilho – Não, hoje não saio...

Não, hoje não saio
eu quero ficar
no espaço
dum cantinho
que é só meu,

Não, hoje não falo
eu quero escutar
as palavras floridas
dum canto
que me entonteceu.

Não, hoje não vou respirar
eu quero confundir
a minha vertigem
com a tua vertigem
e ser só um todo
ou um nada
num mundo que emudeceu...

Maria Teresa M. Carrilho  

18 novembro 2011

Boa noite!

Ðiana®

Octavio Paz -Destino de Poeta

 Palavras? Sim, de ar,
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.

Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra"
(Tradução de Luis Pignatelli)

14 novembro 2011

Boa noite!


Ðiana®

Cora Coralina - Não Sei...

Não sei... Se a vida é curta...
Não sei...
Não sei...
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
Enquanto durar.
Cora Coralina

12 novembro 2011

Boa noite!
Ðiana®

Casimiro de Abreu - Que é Simpatia

Simpatia – é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia – são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia – meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d’agosto
É o que m’inspira teu rosto…
- Simpatia – é quase amor!

11 novembro 2011

Boa noite!

Ðiana®

Carlos Drummond de Andrade - O Constante Diálogo

Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as idéias
o sonho
o passado
o mais que futuro
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

10 novembro 2011

Boa noite!

Ðiana®

Palavra Mágica - Carlos Drummond de Andrade

Palavra Mágica Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.


(Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera')